lições contra o horror
Lições contra o horror
O colégio Max Rayne é o único de Jerusalém no qual crianças israelenses e palestinas estudam juntas
CARMEN RENGEL Jerusalém 1 SEP 2014 - 17:21 BRT
Efrat Mayer não precisa de um megafone. Sua voz é ouvida até nas
fileiras do fundo, e isto porque está diante de 400 pessoas.
“Conseguimos 5.000 dólares (11.000 reais) para Gaza e
em alguns dias começaremos a empacotar a ajuda humanitária”, informa
feliz. Efrat é uma das coordenadoras do colégio Max Rayne, ou Lado a
lado, como todos o conhecem, o único centro educativo de Jerusalém no
qual estudam juntos crianças israelenses e palestinas, por volta de 600,
que aprendem igualmente hebraico e árabe, história de um lado e do
outro das linhas de guerra e, sobretudo, lições de humanidade para
entender a quem outros querem transformar em adversários.
O discurso é breve. Serve para agradecer as centenas de professores,
pais e crianças que se reuniram nas portas da escola em uma nova marcha,
possivelmente a última, como as que realizaram em cada domingo desde o
início da Operação Limite Protetor em Gaza.
Sem o reforço de paz e valores que dá o Lado a lado, os jovens estariam
passando férias cheias de angústia, cada qual em seu bairro, em seu
ambiente, escutando ameaças e maldições sobre o contrário. Era
necessário uni-los de novo. E conseguiram, uma marcha semanal sem
cartazes nem bandeiras na qual o único lema está na camiseta dos
estudantes: Caminhemos juntos, escrito em três idiomas.
Kifah Abu Shamaine, pai de Mahmud, de oito anos, explica enquanto
caminha que seu filho “precisava de algo que evidenciasse que o que
aprendeu no colégio não se perde com a guerra. Caminhar, mesmo em
silêncio como ele faz às vezes, significa avançar. É um símbolo. Isso
nos deu paz e confiança nessas semanas”, reconheceu. Existem mães como
Shelly – impossível anotar o sobrenome enquanto sai correndo para que
sua pequena patinadora não caia – que se negam a serem vistas como
“animais raros” da cidade. “Estamos convencidos de que trazendo as
crianças aqui estamos criando uma nova geração de cidadãos que se
conhecem diretamente, sem preconceitos nem sombras, que derrubamos
muros. Eles veem seus amigos, não uma bandeira. Aprendemos com eles a
cada dia”, diz emocionada.
O colégio foi criado em 1998 e agora ensina crianças da pré-escola até o
final do colegial. Está situado entre o bairro israelense de Patt e o
palestino de Beit Safafa. Em cada sala existe um professor árabe e outro
israelense, que usam indistintamente os dois idiomas. Nas carteiras se
misturam cristãos, muçulmanos e judeus de diversas tendências. Ali está,
por exemplo, o rabino Yehiel Grenimann, defendendo um modelo de estudos
que foi já exportado para cinco cidades israelenses, e que abriga
crianças de qualquer estrato social.
Uri Ben Tzion, pai de um incansável ruivo, frisa que nos arredores do
colégio foi criada uma “comunidade de amigos”. Os abraços e beijos dos
que vão aparecendo na marcha constatam sua afirmação. Reconhece que não é
todo mundo do seu entorno que gosta da aposta educativa para seu filho.
“É duro, mas é mais honesto. Meus irmãos às vezes não conseguem falar
com meu filho pois ele expõe dilemas. Aqui não são doutrinados no
racismo. Aqui existe espaço para demonstrar que, se na prática já
vivemos juntos, mesmo que não nos olhemos, se um dia repararmos que a
pessoa do nosso lado é outro ‘eu’, deixaremos de nos machucar”, insiste.
Hoje os jovens iniciam novo semestre escolar, sem bombas nem foguetes em
Gaza, e com o mérito de ter mantido viva sua amizade e seu respeito por
quem fala e reza e parece diferente, mas não é.
Nenhum comentário:
Postar um comentário